2° Mito: " Escrever é um ato espontâneo que não exige empenho"

Continuando aquela série que prometi para vocês, vejamos o 2° mito sobre o ato de escrever...


Muitos pensam que as pessoas que redigem bons textos o fazem como quem respira, num piscar de olhos, sem o mínimo esforço. A história não é bem assim... Escrever é um dos exercícios mais complicados que realizamos pois exige muito da memória e do raciocínio. Segundo Garcez (2001), " a agilidade mental é imprescindível para que todos os aspectos envolvidos na escrita sejam articulados, coordenados, harmonizados de forma que o texto seja bem sucedido." Haja trabalho, não?


Conhecimentos da mais diversa natureza são acessados quando estamos produzindo um texto. No momento da escrita é fundamental pensar em alguns aspectos: o assunto, o gênero adequado, em que situação ele será produzido, os possíveis leitores, a língua e suas possibilidades de estilos. Trocando em miúdos: escrever definitivamente não combina com preguiça!!!


Claro que, para quem escreve todos os dias, essa missão se torna mais fácil com o passar do tempo, mas mesmo assim há relatos de pessoas que ainda sentem dificuldades, pois é um trabalho braçal e mental muito rigoroso e por vezes frustrante. Já reparou que você nunca está satisfeito com o que escreveu? É por isso que ficamos babando ao ler um autor literário ( um Machado da vida), pois muitas vezes eles conseguem traduzir em palavras sentimentos e emoções que jamais conseguimos fazer com tanta precisão.Termino aqui a minha sessão de desmistificação de mitos (propositadamente redundante!) com um poema do Drummond, no qual os conflitos apresentados aqui nos são apresentados de forma genial como é típico dele:

O Lutador
Carlos Drummond de Andrade

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.

Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue
Entretanto, luto.

Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.

Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.

Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
outra sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.

O ciclo do dia
ora se consuma
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.

Fonte: GARCEZ, L. H. do Carmo. Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Comentários

Anônimo disse…
Escrever requer muita vontade de escrever, acho que começa por aí.

Eu ainda tenho alguns cadernos para escrever coisas soltas, para tentar manter um hábito e ir aos poucos melhorando os meus textos. A verdade é que escrevendo é que vão surgindo as dúvidas sobre grámatica, sobre organização textual, semântica e tantas outras. E aos poucos vou consultando um livro ou outro para me dar uma ajudinha.

Penso que lendo grandes autores é que a gente vai sentindo vontade de escrever mais e melhor, sem isso fica difícil ter motivação para dar os primeiros passos. Ainda me lembro da série "Os Karas" de Pedro Bandeira, que li quando era mais novo, e fiquei magnetizado pela leitura e pela vontade de algum dia escrever um livro.
Debora disse…
Adorei esse poema do Drummond. Eu não conhecia... =)

Ah, bom saber que vc gostou lá do blog. Volte sempre que quiser, viu? =)
Te linkei pra manter o costume de aparecer pra ler teus textos que tô aprendendo a admirar. ;)

Beijos,
Deh
Debora disse…
Xarááááá! Olha só que mundo pequeno: minha mãe estava lendo meu blog e ao clicar no seu link.. tcharááámmm!!! Veio me dizer que vc estudou (e se formou) com ela na UFRN!

Afff... Natal é um ovo! hahaha! =)
DÉBORA disse…
Não creio, então vc é filha da Fátima?
Bem que eu achei que te conhecia de algum lugar, hahaha!
Vc tava nas solenidades com ela, né?
Feliz c-o-i-n-c-i-d-ê-n-c-i-a, kkk!
Natal é um ovo, meeeeeeeeesmo, hehe!
GABRIEL, gustavo disse…
Depois de ler esse poema de Drummond, eu bem sei: Todo escritor é meio masoquista.

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